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Nada como comemorar com uma garrafa de champanhe...

por LA DIVA, em 12.08.14

17 h

 

... quando nos chamam nomes feios no meio do trânsito. Era o dia da folga da Raquel e íamos passar a tarde muito ocupadas à procura de velharias. Ela estava decidida a construir a sua nova mini-mini casa.

- Pelos meus cálculos, com uns 1.000€ faço tudo. Vais ver, é o novo chic. É como ter uma casa na árvore. Se não tens árvore, faz no chão.

Via-se que estava entusiasmada.

- Sem empréstimos ao banco ou à família, sem espaço inútil, que dá uma trabalheira a limpar e, o mais importante, sem a tentação de comprar objetos de decoração que só servem para ganhar pó e teias de aranha.

É assim mesmo. Aí estava a Raquel, já no outside, só à espera da melhor onda para o seu drop. 

 

 

A Raquel é técnica de restauro. Mas tem o hábito de se enfurecer com ‘pedreiros e sucateiros’ e, com isso, conseguir ser despedida com a maior das facilidades. Este é o termo com que ela designa os técnicos que trabalham para as empresas de conservação e restauro, mas que não se importam de dar cabo de uma parede com uma pintura de 200 anos para instalar o aparelho de ar condicionado numa sala.

-          Não pactuo com estes imbecis. Ponto.

Assim, de vez em quando, ela volta ao velho trabalho em part-

time, como chefe de mesa num restaurante snob.

- Vamos lá então comprar a garrafa de champanhe. Logo, brindamos à tua casa na árvore que pode-ficar-no-chão – disse eu, bem disposta.

 

 

 

17h10m

 

                Conduzo eu.

Há já um híper à vista, mas a Raquel quer um champanhe de diva.

                As divas não se contentam com qualquer um. Tem de ter classe. Nada de brutus. Doce, também não. Meio-doce e reserva. Assim mesmo.

                De repente, uma passadeira para peões, mesmo em frente dos dois degraus onde vem desembocar, por sua vez, a passadeira de peões do parque de estacionamento do hiper. Uma senhora lança-se para a estrada, sem parar, sem olhar. Ela e os dois sacos de compras, um em cada mão. Claro que as passadeiras são para peões, mas ela sempre podia ter pausado um pouco os pés. Só já a vi quando se lançava diretamente do alto dos degraus para a passadeira no asfalto.

-          Olha-me aquela cidadã! -  berra a Raquel, indignada.

-          Deixa lá, coitada. A culpa não é dela. Aquela saída do híper foi desenhada por algum

anormal.

                Bom, também poderia ter sido desenhada por uma anormal. Mas saiu-me assim. Vá-se lá saber a razão de ser de género das coisas que nos saem, de repente, assim como aquela senhora de há pouco, da boca para fora, sem pensar.

                Claro que travei mesmo em cima. Mas a senhora passou, triunfante, sem sombra de susto, nem para ela nem para os seus dois sacos cheios de compras.

 

17h11m

 

 

Avisto, pelo canto do olho, um cão a caminhar na berma. Ia solto, sem dono, por aí fora.

                Travei instintivamente. Sabe-se lá se não daria ao cão para atravessar a estrada como a outra?!

                Além disso, eu travo sempre instintivamente. Às vezes, é só um passarinho a rasar o para-brisas. Outras vezes, é um insecto que se vem esborrachar no vidro do carro em alta velocidade.

                Isto é uma coisa muito de mulheres ao volante, essa de travar, instintivamente, por tudo e por nada. Isto costuma irritar bastante os homens ao volante, que eu já vi.

 

 

 

Atrás de mim, um buzinão de camião.

                Uma coisa despropositada. Cava. Horrível de se ouvir.

Aquele estafermo, lá no alto, no camião, queria que eu atropelasse o cão? Ele seria capaz de o fazer?

                Mais tarde, alguém me disse, os camiões grandes têm dificuldade em travar instintivamente. Parece que é por causa do peso da carga, que se pode virar. Pois, isso seria um sarilho complicado.

Mas, realmente, escusava de ter buzinado daquela maneira insultuosa. Tive até a impressão que se o meu carro fosse maior e não fosse eu uma mulher a conduzir ...

A Raquel, que é muito impulsiva, mais do que eu, baixou o vidro do lado dela e fez um gesto obsceno para o camião. Para o motorista, quero eu dizer.

-          Isso é para quê, esse gesto? – perguntei à Raquel.

-          Nada – respondeu. – É só a reprodução orgânica de uma cerâmica das Caldas. Uma forma

de promover o que é nacional.

-          És mesmo parva! – disse eu.

Aqueles modos dela, às vezes, irritam-me um bocado.

 

17h12m

 

Rotunda em frente.

Esqueci o camião, atrás.

Pisco para ir para a saída à esquerda, de modo que, no semi contorno da rotunda, que é

pequena, o motorista do camião entra no meu campo de visão.

-          Mete o dedo no c., grande p.! – gritou ele, triunfante, lá do alto, com certeza ainda a

ruminar naquilo da minha travagem instintiva de há um bocado.

Tive a certeza que todos os condutores que estavam para entrar na rotunda ouviram aquilo,

aquele impropério nacional do macho que se sente insultado pela fêmea em plena via pública. Deviam registar aquele impropério como marca lusitana, e exportá-la em conjunto com a cerâmica do gesto obsceno e da couve galega.

Na cisterna do camião, havia uma marca, também nacional, de farinhas.

Era o que eu dizia.

-          Estava a ver que ele não se despachava com aquilo – diz a Raquel, com ar malicioso. –

Mas, pelo menos, desta vez não insultaram a minha mãe, que não é para aqui chamada.

-          Raquel, querida, devias ter ficado com essa tua mãozinha aqui dentro do carro.  

-          Qual quê?! E ficar com a cerâmica para decoração?! Despacha-te mas é para irmos buscar

as garrafas de champanhe.

-          As garrafas? Mas quantas é que vamos comprar?

-          Ora, uma para comemorar ali a evolução daquele hominídeo, que, finalmente, se

libertou das saias da mãezinha. A outra, já sabes, vamos comemorar o início da construção da mini-mini casa aqui da tua amiga.

                E, com tanta conversa, acabei por não vos contar como foi a tarde à volta das velharias com a doida da Raquel. Amanhã, cá estarei para vos contar.

 

publicado às 10:20


3 comentários

De Joana Roque a 12.08.2014 às 11:21

MAravilhoso! Que lufada de ar fresco.

De miak a 13.08.2014 às 00:48

Mas... mas...

Pronto, está bem. Eu espero por amanhã.

De Sandra Eliott a 19.08.2014 às 17:12

É verdade, é mesmo uma lufada de ar fresco. La Diva é divertida mas fala de coisas sérias ao mesmo tempo, normalmente só se consegue fazer uma coisa de cada vez. Parabéns, Diva, pela escrita arejada.

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