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11h05m
Os três rapazes estavam ali sentados a beber cerveja. Eram 11h e só ali estavam porque a oficina de automóveis encerrou hoje para férias. Quando entrei, dois deles voltaram-se para trás. Ainda apanhei o olhar daquele que se sentava virado para a porta. Era um olhar de vem aí gaja. Como sabem, gaja é para as mulheres. Mas há gajas e gajas.
Nos 45 minutos que passei ali sentada a beber café e a ler, havia quatro ou cinco pessoas que encaixariam no género feminino. Mas, a avaliar pelo olhar e comportamento dos 3 rapazes, nem todas eram avaliadas pela mesma bitola.
A senhora idosa estava sentada a ler o jornal. Mas ninguém dava por ela a não ser a Sara. E foi para lhe dizer
Aqui tem a sua torradinha, dona Francisca. Está tudo bem? Quer mais alguma coisa?
Palmadinha carinhosa no ombro da senhora idosa. É normal, a idade avançada pede sempre uma mãozinha sobre o ombro.
A rapariga lingrinhas costuma estar sempre àquela hora. Está sempre com chalaças. Não fala de outra coisa que não as cadeiras que vai, ou ia ou já fora comprar para o restaurante novo. Ela diz que vai abrir no final da semana, vai ficar giro, mas não vê a hora de terminar a canseira das obras e da escolha dos materiais. Finalmente, aquela coisa (o restaurante dela) ia abrir.
Quando é que vai abrir?
Outra vez?! Não te disse já que era este fim de semana?
Os rapazes continuavam a tagarelar, cada vez mais alto. Era a cerveja. Estava também o senhor Artur. Está reformado e mora na rua ao lado. É normal que o encontremos lá em momentos diferentes do dia. Não tem ainda 60 anos, mas tem uma prótese no lugar de uma das pernas. Anda de muletas e ouço-o dizer frequentemente já estou velho para isso.
11h10m
Entrou uma mulher. Já a vi antes. Trabalha ao lado, na loja de seguros. Diz bom dia. A voz do senhor Artur amacia-se quando se abre para devolver o bom dia à rapariga que entrou. Os rapazes calaram-se por momentos. Não, estiveram calados a beber cerveja durante o tempo que a mulher esteve a beber o café. Isso foi uns 4 ou 5 minutos. É um silêncio que se nota logo, sobretudo porque estiveram a tagarelar sempre a tagarelar e a rir, descontraídos, durante aos 15 minutos anteriores.
A mulher passa por mim. Claro que passa. É grande. Alta. Ancas largas. Veste umas leggings pretas e os glúteos ficam. O olhar dos homens, e das mulheres também, segue mais os glúteos bem desenhados, salientes do que os cabelos negros apanhados num rabo de cavalo. Quando se vai embora passa pela lingrinhas, os glúteos passam-lhe à altura do peito, e fica bem vincada a desproporção de armas. A rapariga lingrinhas sem mamas e o rabo rechonchudo da outra.
Mas por que é que se calaram todos quando a rapariga passou? – disse a lingrinhas. – Vocês, pah!...
Vira-se para o homem da prótese:
E você está para aí a babar-se todo, que eu vi!
Eu?! ‘tás a delirar, rapariga. Já tou velho!
Tá velho?! – a voz da lingrinhas ficou mais aguda. - ´tá velho , mas não tá velho pra olhar, né?
Olha que conversa que tá aqui! – o homem está bem humorado.
Vocês (os homens, mas não os rapazes) são todos a mesma coisas.
Os rapazes nem davam por ela. Continuavam a tagarelar.
Depois, o homem diz:
As mulheres são como os carros. Quando começam a estar velhos, tem é de se trocar por outro.
Isso diz você. Mas você julga que tá sempre novo, ou quê? Os carros velhos ninguém os quer, estão todos avariados, já não prestam para nada.
Tu estás-me aí com uma conversa. Olha que tu!... já tas a estragar tudo, 'tava tudo a ir tão bem...
11h15m
Um dos rapazes, aquele que continuava virado para a porta levantou-se de um pulo dacadeira.
Ena, pah! Olha-me para aquele Lamborghini!
Um Lamborghini amarelo ovo acabara de estacionar. As portas abriram para cima, como duas asas de pássaro. De um lado sai um homem, com calças brancas e uma camisola azul nas costas à laia de cachecol. Do outro sai uma mulher, loura, saia curta, sapatos altos.
A mulher não é a mulher, pois desaparece na idade do homem.
Olham-me só para aquilo. Um velho.
Deve ter pouca grana deve.
Eh, pah, mas um Lamborghini amarelo! Quem é que tem um Lamborghini amarelo!?
Sim, o amarelo é um bocado insólito. Mas, mais insólito foi o ‘desaparecimento’da mulher que saiu do Lamborghini. Teriam os rapazes falado nela se parecesse mais nova e exuberante? Como a rapariga grande dos glúteos proeminentes?
Fim
As mulheres protagonistas desta crónica:
Sara, a proprietária do café. É casada com o Fernando, mas nesses 45 minutos, ele não esteve presente.
Eu, Diva.
Senhora idosa
Rapariga boazona, trabalha na loja de seguros, que abriu há menos de 2 meses.
Rapariga lingrinhas, vai abrir um restaurante familiar.
Mulher do Lamborghini amarelo
Os homens protagonistas desta crónica:
Artur, 60 anos, reformado, vizinho, frequentador habitual do café, desloca-se com muletas
3 rapazes, bem cerveja e tagarelam
Homem do Lamborghini amarelo
Tempo de observação: 45 minutos
Local: pequena pastelaria familiar
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