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Por que me meti a convocar um ‘meet'?...
Ora...
Aborreciam-me as piadas que comecei a ouvir sobre a Raquel. Chamavam-lhe a mulher da árvore. As pessoas já andavam a fazer visitas. As crianças apontavam com o dedo e perguntavam:
‘Mamã, Papá, quem é que vive naquela casa na árvore?’
Era a oportunidade dos pais ensinarem as crianças a usar o martelinho da justiça. Com música, ainda. Mas as crianças percebem excelentemente quando o tom é sentencioso.
E havia sempre uma mamã tola ou um papáteta que dizia sentenciosamente:
‘Oh, querido (quando era rapazinho) é só a mulher do Tarzan.’
As crianças perguntavam logo quem era o Tarzan.
Se fosse menina, engoliam em seco primeiro e a língua já não se soltava com tanta imaginação, não fosse a criança ficar com ideias. Pelo menos, os rapazes sempre têm uma imaginação mais ativa e passam logo à ação. As raparigas, não. Ficam a matutar numa ideia e, passados anos, ela ainda pode lá andar, nunca se sabe. Não sei porquê mas todos os pais, mesmo os novatos, suspeitam disto. E como suspeitam que deve ser assim, nem se interrogam se pode ser de outra maneira. Por isso é que as superstições se propagam ano após ano, geração após geração.
Acho que foi isso que aconteceu com a Raquel. Quando era pequena, ela viu uma casa na árvore e quis um dia ter uma.
E teve.
Mas as pessoas olhavam para ela e para a casa dela como se estivessem no zoo. A Raquel não se ralou nada com isso. Nem deve ter reparado.
Mas eu reparei.
Ah, e também apareceu uma reportagem no ‘El Mundo’. Claro que foi aquela Pilar a autora. Por causa da Camila. Isso também não ajudou muito. Os portugueses sentiram-se ridicularizados. Já bastava o que a imprensa estrangeira andara a divulgar pelo mundo sobre o país nos últimos anos. Os condóminos, esses, ficaram muito satisfeitos.
Agora já podiam correr com a Raquel e demolir a casa dela.
Eu sei que, mais dia menos dia, a Raquel iria reparar em toda esta maledicência. E ia ficar muito triste. Eu conheço-a. Parece uma durona mas é uma lamechas. O coração dela é tão mole como uma pera rocha demasiado madura.
Então, tive a ideia do meet.
A senha era ‘Meet me in Sr. Louis’.
Quando as pessoas começaram a reunir-se, eram 18:00h, a polícia já lá estava. Disfarçada entre os meet@s. Deixaram tocar e cantar a música e depois vieram na minha direção. Senti-me um bofe. Daqueles a que a Audrey se atira logo quando chegam do talho.
O Ministério Público pediu 3 dias de prisão domiciliária para eu aprender a não arranjar meetings. A juíza decidiu que o meu comportamento era indigno de uma senhora.
Perguntou-me:
‘Acha que o seu marido aprovaria a sua atitude?’
Porra! Nem lhe respondi. Onde é que aquela tinha tirado o curso?
Ante o meu silêncio ela triplicou a sentença e acrescentou mais um dia extra.
Dez dias.
Acatei a sentença. Também em silêncio. Dessa vez ela não triplicou novamente. Podia ser porque já era uma conta difícil de fazer assim de cabeça.
Aposto que depois disto ela vai para os copos comemorar. Ou então vai para casa e conta tudo ao marido, ou ao companheiro, ou ao amante, ou à amante, ou à governanta, ou ao cão, ou ao gato, ou às paredes. Ou fica muda. Ela é uma juíza livre e pode contar ou não contar o que quiser a quem muito bem entender. Eu é que tenho de ir para casa porque em casa das mulheres há um marido.
Agora não vou saber nada do que se passa lá fora durante dez dias.
Quer dizer, já passaram três. Faltam sete.
Quando voltar a sair, a Raquel já deve morar num pão de forma com flores. A Maria Pesca-Tudo já dever ter publicado o artigo sobre as loucas do tamanho fálico. A Camila vai andar atarefada com as compras de cadernos e livros da Carlota. Atrasou-se, como sempre. A Carlota, claro que só quer agora saber é dos horários da escola, saber quanto tempo vai ter livre durante a semana. Nem valia a pena ela preocupar-se tanto. A mãe ou o pai hão de arranjar maneira de a encaixar numa aula de música. Se não der, vai para o ballet ou para o teatro ou para a sala de estudo.
A Sissi ainda não regressou de Bali. Ainda fica lá até ao Natal.
Até nem é mau porque fiquei com gripe. E vou ver filmes com a Audrey até me fartar, mesmo que não vá escrever no blogue.
Ou ler.
É bom.
‘Uma carrinha dessas ia ser bué.’
A Raquel está tão entusiasmada outra vez!... até mete dó, a ingenuidade dela.
Deixá-la sonhar. Faz bem à beleza. À pele.
Eu sei por que ia ser bué.
É que ela descobriu que havia ratos a viver na árvore dela. Daí até partilharem a mesma casa era só o instante de um descuido com uma janela aberta.
Os ratos também têm problemas de habitação, é o que eu acho. É um preconceito, este, o de achar que só nós temos problemas com as casas.
A habitação é um problema global. Até mesmo para as criaturas que consideramos indignas, indesejáveis.
A falta de dinheiro é até um bocado parecida com o veneno de ratos. Acaba connosco. Por isso, qual é a diferença entre nós e os ratos se tendemos todos à condição de sem-abrigos?
Ainda nos deitam veneno, mesmo na sargeta.
A Raquel também descobriu que o plátano estava doente. Tem a doença do barbeiro.
Todos os anos, um bando de homens, nunca se viu mulher metida no assunto, decepam um membro ao plátano.
‘A castração anual do coitado. Deve ser um ritual esquisito, anual, satânico’ – disse-me ela. ‘Devem conseguir libertar algum espírito malvado e dormem assim mais sossegados. E, no outono, sempre gastam menos dinheiro a mandar limpar as folhas mortas.
A Raquel quer saber por que é que não posso sair de casa.
Ela acha que pode haver um boy next door.
Nem sequer lhe vou responder. Ela vai ficar sem saber se é assim ou nem por isso. A dúvida tira a arrogância às pessoas. Vai fazer-lhe bem.
Oficialmente, eu estou a cumprir uma pena de 10 dias sem poder falar com quem quer que seja. Nem mesmo com jornalistas de rádio eu poderei falar.
E, mesmo assim, hoje eu já me aventurei a escrever no blog.
Amanhã, é bem possível que, assim do nada, me veja inibida de comunicar com o mundo por mais uns não sei quantos dias. Só porque me apeteceu vir blogar.
Bolas, Raquel!
Tens que me pagar estes dias de cativeiro.
Mas vou ver filmes.
Não gosto de ratos. Nenhuma diva gosta.
Mas acho piada aos corvos.
Este aqui, por exemplo, tem piada.
Deixa-te lá dos boys next door.
Que às vezes podem ser só ratos.
LA DIVA
... até pode ser um rato.
O vizinho da Raquel, por exemplo.
Já não aposto em nada!
...
‘Deixa-te lá de coisas! Aí há mas é boy next door!...
‘De contrário, estavas mas era a espernear...’
‘Diva!... Estás na prisão?...’
Nãoooo....
‘Que aconteceu?!...’
Nadaaa....
‘Como é po-ssí-vel?...’
Possível o quê, miúda?!...
‘Conta tudo...’
...tudo o quê, que raio?...
‘Não me deixes à espera para saber...’
... saberes o quê?....
‘Conta-me lá mas é o que aconteceu e deixa-te de tretas!’
Pronto, foi esta tirada da Raquel que estragou tudo.
É por causa dela que tenho de ficar fechada em casa por 10 dias.
Prisão domiciliária. É uma maneira elegante de ver as coisas.
Não deixa de ser uma pena pesada, digam lá o que disserem.
Já não se pode convocar um ‘meet’ de ajuda aos amigos sem que apareça logo a polícia.
Eu só queria ajudar a Raquel. E ela nem percebeu nada! O que não deixa de ser irónico. Quantas vezes não damos a vida pelos amigos e eles nem dão conta?... Podemos ir parar à prisão e eles nem darem por isso.
Como a Raquel.
Ficou tão babada a olhar para as cem pessoas a cantarem para ela, mesmo debaixo da casa dela, que nem reparou nos agentes infiltrados.
‘Claro que reparei!’, disse ela, indignada. ‘Mas pensei que fazia parte da encenação! Mas, afinal, como é que aquilo tudo aconteceu?’
Não lhe vou responder, que é para ela aprender.
A Raquel vai ter de desocupar a árvore.
Os vizinhos não a querem lá.
Então, eu pensei num ‘meet’ junto da árvore. Só para sensibilizar as pessoas sobre o caso dela. Está provado que as pessoas, quando se reúnem de forma espontânea, fazem coisas engraçadas. Às vezes, a coreografia é um bocado ensaiada. Mas no caso do meu meet, não. As pessoas só tinham recebido a senha, o GPS da árvore e a ordem “Cantar!”
A senha era ‘Meet me in St. Louis.
E tinha tudo para ser um sucesso.
As pessoas puseram-se a cantar. Espontaneamente. Mas veio a polícia e estragou tudo.
De qualquer modo, a Raquel também já estava a pensar sair. Diz que uma carrinha velha, daquelas pão de forma, há de bem servir-lhe para casa. Como esta aqui, embora eu ache que ela preferiria o azul clarinho-anjo.
Gostos, claro!
Aquelas carcaças oxidadas de 30 anos podem ser desenterradas do cemitério da sucata e ressuscitadas para render uma pipa de massa. Uma pipa que nem a Raquel há de perceber de que madeira é feita, nem para que vinho... As casas com rodas, mesmo rodas velhas de sucata, hoje em dia, podem custar uma fortuna.
Mas a Raquel quer lá saber disso!
A Camila pediu-me para eu ficar com a Carlota até ao final da semana. São só dois dias e eu não me importo. Sempre podemos ver mais filmes.
‘Mas porquê?’, perguntei, intrigada. ‘Vais levar algum namorado para casa?’
‘Não, parva’, respondeu-me. ‘Não é nada disso. Tenho de sai em trabalho. Não quero a Carlota sozinha durante dois dias.’
‘E o que é que vais fazer?’
Não devia ter feito esta pergunta. Assim fiquei a saber que existem umas gajas, as ‘Amigas da Marge’, que costumam reunir-se em locais secretos para discutir assuntos de interesse público-privado sobre sexualidade feminina e beber chá de plantas medicinais.
As tarefas das amigas, além de preparar devidamente as infusões, são dissecar todas as notícias que saem na imprensa sobre sexualidade feminina, de preferência press releases científicos, sempre suspeitos, e as que citam fontes ou estudos científicos.
Ora bem, desta vez as amigas da Marge vão reunir-se para discutir o problema das cirurgias de alongamento fálico. E a Camila, ou melhor, a Maria Pesca-Tudo, vai entrevistá-las.
As coisas que eu fiquei a saber sobre o assunto:
A Alemanha é não somente o país da senhora Merkel, claro, e a atual campeã mundial de futebol, como lidera ainda, de acordo com a International Society for Aesthetic Plastic Surgery, o número de cirurgias plásticas de alongamento fálico, o que quer dizer que 8 em cada 100.000 homens na Alemanha anda a fazer uma coisa destas.
Na Venezuela, o 2º país da lista, a relação é de apenas 4 para 100.000.
Há mais 8 países na lista. Portugal não consta do top ten.
Após a cirurgia, que remove o ligamento de sustentação do pénis ao osso pélvico, há que andar, durante seis meses, com malhas distensoras ou pesos de modo a impedir o religamento.
A maior parte dos intervencionados não ficaram inteiramente satisfeitos, até porque o aumento do comprimento do falo flácido ficou-se por um singelo, embora honesto, centímetro.
Mais aqui:
Mas por que vão as amigas discutir este assunto?
‘Mas isso é o que eu vou tentar descobrir, ó grande pateta!’, disse a Camila.
‘Ahhh... ok. Então, depois, conta-me tudo, de preferência antes de a Maria escrever sobre o assunto. Já sabes que eu não sou fan do teu alter-ego’.
E, já que se tratava das amigas da Marge...
Já que hoje é o dia da Marge Simpson nas lojas da MAC Cosmetics...
Já que calculava que as amigas da Marge haveriam de ser parecidas com a Marge...
Sugeri à Camila que levasse um vestido de que gosto muito.
credits Hu image mor Chic, by AlexSandro Palombo
Mas, pensando melhor, achei mais conveniente um estilo Jackie-sóbrio. Com estas fulanas nunca se sabe.
Image credits Humor Chic, by AlexSandro Palombo
E agora fico à espera das novidades da Camila.
‘Diva, acho que não gosto muito de filmes antigos’, disse a Carlota a medo.
‘Não faz mal. Nem é suposto que gostes.’
O Feiticeiro de Oz (1939)
Fiquei a pensar que eu também não gostava de filmes antigos quando era pequena, apesar de os ter visto inúmeras vezes, na televisão, com a minha mãe.
Mas disse-lhe:
‘Os filmes estão lá para nos vermos. Assim como num espelho. Mas só uns anos depois o percebemos.’
A Carlota não percebeu lá muito bem a minha teoria. Nem onde é que ficava esse ‘lá’.
Lá, onde?, deve ela ter pensado.
Lá,lá, lá, lá, parece uma cantiga.
Mas não faz mal.
A Carlota vive num mundo em que os filmes podem ser vistos em qualquer lado, a qualquer hora...
Não, tenho de corrigir:
A Carlota vive em vários mundos, em que os filmes podem ser vistos em qualquer lado, a qualquer hora...mas tem de ser ela a escolher o filme que quer ver. E também a hora. Porque se ela ficar à espera que os filmes passem, eles vão passar, sim, mas tão depressa que ela não vai conseguir ver espelho nenhum.
O mundo em que a Carlota vive é tão divertido como andar na roda gigante. Mas se a roda rodar demasiado depressa também nos agoniamos.
E vomitamos.
As crianças vomitam muitas vezes. Ainda bem. Quer dizer que não guardam dentro delas tudo o que lhes impigem para comer.
Ficam doentes e deitam fora o que não presta.
A Carlota já não vai fazer mais pulseiras de plástico. Teve uma trabalheira para ganhar umas moedas, mas o negócio faliu mundialmente quando ela atingiu os 20 euros.
Há o negócio bom e o negócio mau. Este último dá cabo das nossas vidas, das nossas fantasias e temos de voltar ao mundo irreal.
‘A mãe leu uma notícia. Diz que faz cancro mexer naquelas pulseiras e acessórios de plástico. Fiquei com vontade de vomitar.’
Eu também.
Fiquei com vontade de vomitar com a velocidade a que a Carlota tem de viver. Numa hora, é princesa das pulseiras de plástico. Na outra, é uma criança empreendedora, na outra já corre perigo de vida. E na outra já viu tudo em cacos, porque as doenças são como as pragas, dão a volta ao mundo inteiro só para nos entrarem novamente pela janela. E isto tudo enquanto o diabo esfrega o globo.
Por isso, Carlota, porque vivo no mesmo mundo que tu, é que eu vejo filmes. Os filmes que eu decido ver. Para não me esquecer de quem eu sou.
Um dia diva do clube Tupperware. No outro, top model de plástico, no outro aprendiz de feiticeira, no outro uma bruxa terrível...
Hoje, eu e a Carlota, e a Audrey também, vamos ver um filme da Disney,
OZ, the Great and Powerfull (2013)
E, depois, mostro à Carlota uma coleção de eye shadows da Sephora inspirada no filme. Sim, inspirada em Oz, the Great and Powerfull. E também há coleções inspiradas em Alice in the Wonderland.
E esta aqui, Carlota, que vai ser lançada amanhã, 4 de setembro, pela MAC.
É a coleção da Marge Simpson, que a Mac Collections anunciou no Twitter.
‘Os meus pais nunca mais aprendem’, disse a Carlota. ‘Estão separados, mas sempre a discutir por minha causa. É sempre a mesma coisa.’
‘... Outra vez?...’
‘O meu pai levou-me com os meus irmãos, que são os filhos dele e da Paula, ao shopping para comprarmos cadernos e outras coisas para a escola. E a mãe ficou chateada porque ela queria ir comigo e ser ela a escolher as coisas que haveríamos de comprar.’
‘E o que é que tu achas disso?’
‘Sei lá. Por mim, os cadernos do ano passado estavam bons. Mas o pai quer sempre que eu tenha coisas novas, mesmo que depois me queira impingir aquelas capas com bonecos das séries do nickelodeon...
Eu já não vejo o nickeldeon, Diva.’
‘E a tua mãe?...’
‘A mãe faz sempre compras como se fossem para ela com a minha idade. Eu não gosto das coisas de que ela gosta.’
‘Então, acho que tens de lhes dizer umas verdades, aos dois, não achas?’
‘Ora, não vale a pena.’
‘Por que é que não?’
‘Porque eles começam logo outra vez na mesma. Estão sempre os dois nestas parvoíces.’
Ahhh... a Carlota, também a Carlota, que só tem 12 anos, já desistiu.
Claro que há parvoíces o ano inteiro, Carlota.
As mais parvas de todas são aquelas que arrumamos na gaveta com um ‘nunca mais’,
Mas que regressam logo pelos fundos com um ‘de novo, outra vez’.
Só o começar é que é novo, embora só de nome,
Porque o resto é sempre igual,
A cada setembro, novo ano letivo, outra vez
Cada dezembro, novo natal, outra vez
Janeiro, novo ano novo, outra vez
Carnaval, antes da páscoa, outra vez
Páscoa, quase verão, outra vez
Junho, final do ano letivo, outra vez
Julho, férias, outra vez, e
Agosto e
Setembro
Outra vez...
Talvez por isso, Carlota, é que é bom voltar aos filmes,
Uma e
Outra vez.
São sempre diferentes, mesmo que sejam iguais...
... como este, the quiet man, por exemplo.
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