Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]



A ÉPOCA PARVA

por LA DIVA, em 29.08.14

 

... está a terminar.

 

 

 

 

 

... Ou a começar, sempre depende do ponto de vista.

Parvoíces há durante o ano inteiro.

 

É como os pijamas às riscas com uma estrelinha amarela de xerife na lapela.

Não é que os pijamas tenham de ser aos quadradinhos

Ou aos triângulos.

Mas, estrelinhas, prefiro-as no céu.

E o xerife, se é para ser aquele gajo, ou gaja, que empunha as armas e mantém a ordem

Sempre prefiro que seja o John Wayne.

Pelo menos, sempre tem mais de nove anos e não anda por aí de pijama.

Nem é apanhado com os jeans abaixo das nádegas.

Nem a arma se lhe escapa pelo fundilho das calças de yoga.

Que o John é um gajo do oeste.

O que, realmente, não quer dizer nada

A não ser que ele é do oeste.

 

É como as capas negras que daqui a duas semanas

Hão de andar por aí como aves agoirentas.

As últimas que vi,

Ainda as andorinhas andarinhavam por aí,

E já estas grandonas dançavam à volta de um rapaz com um chapéu de palhaço

Na cabeça

Abraçado a uma árvore

A árvore estava com cio

E ele era o cão

As aves agoirentas riam-se e batiam palmas.

Onde é que já se viu

Aves destas comerem-nos ainda vivos.

 

É como os casacos vermelhos de pai natal

E de mãe natal

E outros, de pele de chinchila morta à paulada,

E as luzinhas pisca pisca

E os bonecos de neve

E a neve artificial

E os saldos de inverno

Que hão de começar antes do menino jesus nascer

Que hão de começar ainda antes do verão acabar.

 

...

 

Ora, a época parva é todo o ano.

E as divas, pelo menos essas, já sabem isso há que tempos.

 

Só têm de escolher,

 

Shaken

or

Stirred...

 

 

 

 

publicado às 17:15

AS NOVAS RECRUTAS

por LA DIVA, em 28.08.14

‘Maria, querida!’

A mulher torpedo tinha avançado sem que tivéssemos dado por ela. Ignorou-nos às duas, a mim e à Raquel.

 

O alvo era a Camila.

 

‘Adorei a sua crónica sobre a depilação genital. Foi sensacional!’

 

Esfregou a bochecha direita, empoada de blush rosa vivo, na bochecha esquerda da Camila. Atrás dela apareceu uma cara vivaça de rapaz, embrulhada numa barba de dois meses.

 

‘O Fred adorou o resultado, não foi querido?’

 

A mulher cofiou-lhe os pelos pretos. O rapaz era um bocado novo e ainda não devia ter vivido o suficiente para ter aprendido a pôr os dedos dele a pensar em cima da própria barba.

 

A mão da mulher deslizou da barba para o rabo do rapaz, mas subiu logo um bocadinho, de maneira que foi encaixar-se na cintura dele.

 

Ele também pendurou a mão na cintura dela e assim já pareciam mais ou menos amantes descarados.

 

As bochechas da Camila ficaram um bocado vermelhas demais. Talvez fosse do blush da outra, só que a mulher só tinha tocado numa bochecha da Camila.

 

E as da Camila estavam ambas muito vermelhas.

O rapaz da barba de dois meses fartava-se de galar a Raquel, não tirando a mão da cintura da outra.

 

‘Camila, e sobre que é que foi a tua crónica?’, perguntei.

‘Ora, que haveria de ser, o rapanço dos pelos púbicos, está visto’, disse a Raquel, sarcástica.

 

A mulher ficou toda contente por causa da deixa da Raquel.

‘Oh, foi tão sensual! E adorei ver-me assim como uma menina, sem pelos. O Fred também, não foi, Fred, querido?’

 

De repente, a Raquel desatou a rir.

 

 

 

A mulher empalideceu. O rapaz olhava babado ainda para a Raquel.

 

A Raquel não parava de rir. Por fim, quando já estava farta de tanto rir, disse:

 

‘Desculpe, mas realmente fazem um par irresistível. Extraiu os pelos da sua vagina, mas, em compensação, o seu namorado fez uma extensão aos pelos em volta da boca dele.’

 

Dei uma valente pisadela na Raquel.

A Camila explodiu:

 

‘És mesmo ordinária, Raquel!’, e saiu a correr do bar, envergonhada, certamente.

Fiquei com pena dela. A Raquel tinha acabado de a enxovalhar em público.

 

‘Qual quê! Não tenho é pachorra para estas gajas que levam as vaginas ao barbeiro para a máquina zero. Vaginas assim fazem-me lembrar os recrutas da tropa antes de irem para o massacre de uma guerra insana qualquer.

 

O rapaz da barba de dois meses ergueu a mão em direção à Raquel.

 

Antes de ele perceber o que estava a acontecer, o punho em gancho da Raquel tinha ido embater-lhe por baixo do maxilar.

 

‘Nem as barbas sabes usar, grande parvalhão.’

 

Os seguranças do bar já se aproximavam.

Então, a Raquel fez o seu sorriso mais sexy e disse:

‘Já estávamos a sair, não é Diva?’

 

publicado às 14:52

As malas de mão vão sempre borda fora...

por LA DIVA, em 26.08.14

... quando as coisas correm mal.

 

Às vezes, a Camila é um bocado lenta a perceber. Nisso, não se parece nada com o alter-ego, a Maria.

 

‘Não se aproveitou nada? Nem o sexo?’, perguntou a Camila.

‘Claro que aproveitou. Três vestidos pretos, um par de sapatos de salto alto, um estojo de maquilhagem novinho, nem te vou dizer a marca, a langerie italiana e o raio da clutch.

 

‘E arranjas lugar para tudo na casa nova?’. Esta foi minha.

‘Não. Vai tudo para o OLX.’

 

Tudo, exceto a clutch. Conheço a Raquel.

 

 

 

A Camila estava com a cabeça na lua e demorou a reagir.

‘Tu disseste que a casa estava cheia de brinquedos? Brinquedos sexuais, queres tu dizer...’

‘Não, querida, brinquedos-brinquedos... coisas de meninas pequenas... bonecas, casinhas, cavalinhos de baloiço, peluches, um triciclo... essas coisas.’

‘Meteste-te então com um tarado?... E fizeram sexo no meio desses brinquedos todos?...’

 

Tive de intervir. Na cabeça da Camila, às vezes, passam cenas esquisitas. Se elas passam para a cabeça da Maria Pesca-Tudo, há pelo menos umas 5.000 mulheres que vão ficar contaminadas, tantas quantas as leitoras das crónicas dela.

 

‘Não, linda.’ Era eu novamente. ‘Por que é que um homem separado da parceira, que ama a filha e faz o impossível para ficar com a custódia, tem de ser um depravado?’

 

‘Precisamente, é o que ele diz.’

‘Ele diz o quê, Raquel?’

‘Que a mãe da criança, ou alguém que vive com elas, abusa da menina. Mas isso não é coisa que o senso comum encaixe assim sem mais nem menos. Os depravados são sempre homens.

‘Quê?’

‘E ele não apresenta queixa contra a ex-mulher?’

‘Já o fez várias vezes. Diz que enquanto for uma juíza a decidir se a criança fica com a mãe ou com o pai, ele irá sempre perder. Agora, nem sequer tem direito a vê-la ao fim de semana.’

‘Em que é que ele se baseia para fazer essas acusações contra a juíza?’

‘Diz que ela já lhe disse isso na cara. E, realmente, por que é que uma juíza não há de ser uma cabra igual às outras e aos outros?’

‘Mas não achas que ela pode ter razão, quer dizer, essas coisas... tantos brinquedos em casa de um homem adulto, que vive sozinho, não acham isso um bocado esquisito?’

 

‘Ele não vive sozinho e tem namorada!... Ou tinha.’

A Raquel berrou isto.

Eu e a Camila ficamos sem fio de voz.

Então, ele tinha uma namorada? E onde é que a Raquel entrou na história?

 

‘Ela pôs-se a andar. Também já não aguentava viver naquela casa. E... QUEREM PARAR com a porra da conversa, por favor? Estou farta de vos ouvir. Estou farta desta história. Se quiserem, dou-vos o número dele e vão lá consolá-lo. Para mim, chega!’

 

Pronto! Hora do ‘borda fora’!

 

O ‘borda fora’ é um clássico da Raquel, que nós, a Camila, eu e a Sissi, quando esta está, comemoramos sempre juntas. É uma espécie de esconjuro do mal de amor. Quando corre mal, alguém ou algum objeto têm de pagar.

 

‘Bora lá, Raquel. ‘Tá na hora!’

Ela virou-se de costas para a amurada.

...

Um... dois... três...

‘Espera aí!’ gritou a Camila, angustiada. ‘Essa aí vale 159,00€...’

 

A Raquel nem a ouviu. A pequena bolsa, uma pequena maravilha da fútil arte dos objetos de engate de levar na mão, descreveu um arco perfeito e foi cair lá para baixo, num buraco oculto nas falésias.

 

Só um louco se arriscaria a descer para a apanhar.

 

A Raquel tem uma teoria para o uso destas malinhas que as mulheres adoram levar ao colo. Mas isso conto-vos depois.

 

Agora, vamos é voltar as três lá para dentro do bar e comemorar com mais uma.

 

publicado às 20:54

F..., PARA O AMOR!

por LA DIVA, em 25.08.14

Que probabilidade temos de encontrar o amor num encontro fortuito?

Provavelmente, nunca o encontraremos. Nem aí, nem em lado nenhum.

É o que a Raquel acha.

‘Porquê?’, pergunto-lhe eu.

‘Ora, porque, na verdade, ele não existe. É uma fantasia.’

 

Esta descrença da Raquel baralha-me um bocado. Como é que ela, uma mulher que sempre atraiu homens sem precisar de fazer nada de especial, pode ser tão descrente?

 

Mas, afinal, para que é que ela lhes dá trela?

 

‘Eu não sou descrente. Sou realista’, sentencia, senhora do seu nariz.

Ah, sim?

Então, conta-me lá:

‘Quanto é que gastaste nesta tua última fantasia?’

Ela faz as contas por alto.

Quase tanto a preparar-se para o último encontro amoroso quanto o que gastou com a mini-mini casa nova.

 

A Raquel gastou 1.000,00€ na nova casa.

À volta da nova casa o mundo ainda não parou de rondar. Mas ela acha que, apesar da confusão, fez um bom negócio.

 

A Raquel gastou quase outro tanto para se preparar para um encontro com um homem. Ela achou que ia ser um encontro amoroso, e não apenas sexual. Ele parecia muito enternecido, as mãos tremiam quando lhe tocava ao de leve nos cabelos compridos. ‘És tão bonita’, dizia ele, incapaz de parar de olhar para ela.

 

Comprou roupas bonitas, cremes perfumados e outros produtos de beleza. Fez um alisamento japonês ao cabelo que a deixou a parecer-se com a Megan fox. E foi a um spa de luxo.

 

Pelos seus cálculos ela acha que perdeu a cabeça e gastou o equivalente a 3 semanas de trabalho no restaurante. Fê-lo porque se encantou com o olhar com que o homem a contemplava.

Não pensava ir muito depressa para a cama com ele, mas acabou por acontecer.

 

Na casa dele, ela entrou em quartos que estavam cheios de brinquedos porque ele estava há anos à espera que a filha pequenina lhe fosse devolvida, que um tribunal lhe desse razão e obrigasse a ex-mulher, que lhe roubou a filha, a devolver-lha. Se calhar a filha já tinha crescido, mas ele não devia ter dado por isso tão parado no tempo ele tinha ficado.

 

‘A filha também é minha, e nem devia ser dela. Nunca mais, daquela mulher malvada’, diz ele.

 

A Raquel fica parada a olhar aqueles brinquedos todos. A tristeza na voz do homem.

 

‘As crianças filhas de pais separados ficam sempre com as mães’, diz ainda, com amargura.

 

Ele não se conforma e não para de falar sobre o assunto.

A Raquel fica com vontade de se ir embora. É uma estória demasiado complicada e ela não quer fazer parte dela. Nem de um só bocadinho. Ela não lhe pertence.

Mas ele pede-lhe para irem para a sala e põe uma música a tocar.

Depois, faz-lhe um pedido:

‘Raquel, dança comigo, assim, devagarinho.’

Surpreendida, ela deixa-se ir no swing.

O homem está a dançar com os dezoito anos dele e os dezasseis de uma namorada. Há um brilho de adolescente no olhar dele. A Raquel não sabe onde é que o homem enfiou o resto dos anos da vida dele. Talvez naqueles quartos cheios de brinquedos e esperanças mortas.

 

‘Foda-se’, diz-me ela, acendendo um cigarro. ‘Somos sempre a porra de uma fantasia de alguém.’

O fumo do cigarro evola-se no ar em pequenas argolas.

 

publicado às 15:58

O MUNDO À VOLTA DA ÁRVORE

por LA DIVA, em 22.08.14

À volta da árvore, os andaimes iam sendo desmontados.

 

A mini-mini casa da Raquel, pouco mais de 1.000€, escondia-se sob as folhas verdes. Quem passasse, e não pertencesse ao bairro, julgaria que a escada em espiral à volta do tronco do grande plátano fazia parte do equipamento do jardim das crianças.

 

O problema seria quando as folhas caíssem e a casa ficasse à vista de todos. Mas a Raquel garante que é apenas uma casa pequenina de verão. Um ninho temporário, que ela também é ave de arribação. Mas também diz que pode vir a tornar-se um estúdio ou um retiro, um sítio para onde ela vai e o mundo fica do lado de fora.

 

Mas acho que o mundo não vai aceitar ficar do lado de fora.

Hoje, tal como ontem, os jornalistas andaram a farejar e não arredaram pé. A Raquel recusou-se a falar com eles, mas não conseguiu impedi-los de tirar fotografias. Já apareceu uma carrinha de reportagem da televisão. A Raquel atirou-lhe um martelo, que veio partir o para-brisas. O cameraman insultou-a e chamou-lhe ‘cabra’. Ela gravou tudo no telemóvel e diz que põe o vídeo na net. O vídeo mostra também uma jornalista a chamar-lhe nomes e a curva que o telemóvel deu quando saltou das mãos da Raquel e foi parar ao chão. Foi na altura em que a jornalista lhe deu uma bofetada e lhe gritou ‘grande vaca, dou cabo de ti se me tiras alguma fotografia’. Isto é hilariante, porque era isso mesmo que aqueles jornalistas ali estavam a fazer, a filmar e a tirar fotografias à Raquel e à casa dela.

 

Depois alguém chamou a polícia porque viu um grande ajuntamento e havia gritaria. As pessoas começam a ter medo de ajuntamentos. A Raquel provou que tinha autorização para construir uma casa de madeira na árvore, porque a árvore estava num terreno que tinha dono e o dono tinha dado autorização. A polícia disse que nada podia fazer, quer dizer, tirar a Raquel dali sem ordem de um juiz, mas se ela provocasse desacatos, aí sim, eles levá-la-iam na ramona.

 

O homem que no dia anterior tinha chamado os jornalistas, para lhes dizer que havia uma mulher na árvore em frente da janela do andar onde ele habitava e que o perturbava, passou o dia todo a espreitar por detrás dos cortinados e a filmar tudo com o telemóvel.

 

Mas acho que a Raquel vai saber lidar com tudo isto.

O que me preocupa é outra coisa.

É que conheço-a muito bem. E sei que ela já se apaixonou outra vez.

E vai desiludir-se novamente.

Nunca desistimos, não é? Mas nunca desistimos do quê?

Do sexo? Dos afetos? Do medo? Da decepção?

 

A Raquel, que já viu vezes sem conta o filme de Terrence Malick, Árvore da Vida, gosta de o citar, dizendo a rir:

 

Unless you love, your life will flash by.

 

Mas, precisamente, o amor é o que irá dar cabo da vida da Raquel.

Ou talvez não, sei lá, a vida é tão imprevisível.

 

publicado às 14:21

TARZAN É UMA MULHER

por LA DIVA, em 21.08.14

9h

 

‘A casa da Raquel está quase pronta. Vem ajudar na escada.’

A mensagem era do Mathew e chegou de manhã. A seguir, o sítio para comparecer.

Tenho andado furiosa com a Camila e esqueci-me da Raquel. Para me redimir, devolvi um ‘OK’.

 

 

10h

 

‘Despejo obriga mulher a refugiar-se em árvore.’

O título era da capa do jornal e as pessoas riam-se logo de manhã.

No café, sem a conhecerem, estavam a viver uma história alternativa da Raquel. À sua maneira, ela conseguia diverti-los. Hoje, não havia campeonato paralelo com as chalaças espirituosas sobre as equipas de futebol, nem receitas novas para a cabidela habitual.

 

Via-se que a leitura estava a fermentar-lhes na língua. Normalmente, costuma ser no estômago, mas hoje não. De um modo geral, estavam muito divertidas e via-se que isso lhes fazia bem à imaginação. És uma desgraçada sem-abrigo, mais uma, mas estão a rir-se porque os obrigaste a verem-te a trepar por uma árvore acima. É, provavelmente, um dos últimos sítios para onde podemos fugir sem ter de ficar com o rabo entre as pernas.

 

10h10m

 

Parece que estás em apuros, porque as tuas desgraças, afinal, ainda não acabaram. Não só tiveste de te refugiar no topo de uma árvore, sua medricas, como já nem aí te safas, pois parece que um vizinho não gosta de assomar à janela do quarto, no 3º andar, e dar de caras com uma árvore onde se esconde uma foragida que não paga a casa.

 

10h12m

 

 

Um leitor do jornal acaba de te declarar Tarzan. Pelo tom, ele está é a gozar contigo. Já te está a ver em cuecas em cima da árvore. Mas, também, é normal que isso lhe passe pela cabeça. De certeza que ele já passou as duas páginas dos glúteos de tanga que estão um bocado mais à frente.

 

Mas agora é a minha vez de rir. Alguma coisa se está a passar, que eu ainda não percebi. Thor já não é homem, o Capitão América já não é caucasiano e agora o Tarzan é uma tuga.

 

És uma sortuda, destronaste o homem-macaco, meteste-te com um vizinho funcionário das finanças e ainda tens amigos para te ajudarem a içar a escada para o poleiro da fama. Tens sete vidas alternativas, como as gatas. Raquel, não tenho pena nenhuma de ti. Bem podes cair, que vais levantar-te outra vez.

 

publicado às 13:56

A CARREIRA DA GAJA GIRA ...

por LA DIVA, em 20.08.14

... começa logo aos três ou quatro anos, e é se não for antes, quando nos começam logo a pôr lacinhos cor de rosa na careca. É nessa altura que, sob a batuta da gente crescida, começamos a treinar para a carreira. Ainda tropeçamos nos pés e a passerelle passa por debaixo das mesas. Por enquanto, ainda só vemos pernas e, assim, é natural que nos concentremos nelas primeiro, as agarremos e as apalpemos. Ninguém se chateia com isso.

 

Às vezes choramos porque vamos ao chão e faz dói-dói. Mas também nos fartamos de rir e somos bem recompensadas. Não há nada de especial nisto. É como em muitas artes nobres, a dança clássica ou a tocata ao piano. Tem de se começar cedo e nunca mais parar de praticar se se quer atingir a perfeição.

 

Adoro quando apanho estes pedaços de carreira em construção das nossas carreiras de lolitas pequenas. E isso acontece à força do amor, do amor de quem realmente nos ama. Porque quem nos ama pega-nos ao colo e belisca-nos as bochechas, dá-nos palmadinhas no rabo e beijinhos ternurentos nas mãos. Dá-nos rebuçados, cada vez mais coloridos e frutados, e roupinhas sexy para criança. Além disso, protegem-no do mundo exterior, que é sempre horrível e predatório.

 

Mas, o mais importante, é a recompensa de nos sentirmos giras, de nos dizerem que somos gajas giras, que temos uma carinha laroca e que tudo gira à nossa volta e... à altura do nosso palmo e meio. As gajas e os gajos grandes acocorocam-se para nos acompanhar. E eu confesso que gosto muito de os ver baixar até ao meu nível. Mas não julguem que isto se passa na intimidade do lar.

 

Nada disso.

É ali, à vista de toda a gente, no lugar mais público e, ao mesmo tempo privado, que pode existir, o café.

 

‘Cu-cu! Ó gaja gira!’, diz-me o dono do café.

 

A mulher dele, que eu adoro porque me deixa sempre ir vê-la a fazer os bolos lá em baixo na cozinha, repete:

 

‘Cu-cu! Lindaaaa! Linda, és muito linda!’

 

Acocoroca-se e eu finjo que quero ir ter com ela. Já aprendi que é isso que ela quer que eu faça:

 

‘ Cu-cu! Vem cá ao colo da titi!’

 

 

 

Nesta altura estou a rir desalmadamente, porque isto é para rir. Eu tenho de rir, porque se não o fizer vão pensar que estou doente e levam-me à pediatra. Tenho também de, ao mesmo tempo que rio, correr para ela mas escapar-me por debaixo de outra mesa. Eu sei que é isso que todos querem que eu faça. Sinto-me a ser observada pelo buraco da fechadura, mas não há nada a fazer a não ser aprender.

 

‘Ó gaja, és muito atrevida! Como te chamas? Diz lá o teu nome, anda, vá!’

 

Pronto, quando ouço isto, já sei que por hoje aprendi a lição e tenho o meu prémio simbólico de reconhecimento público de gaja gira. Ainda me sinto um bocado envergonhada, mas eles é que hão de encarregar-se de tirar-me essa vergonha da cara. Por isso, hei de perceber daqui a nada que esconder a cara atrás das mãos é só um truque.

 

‘Olha, repete lá: Eu sooouuuu muuuitoooo giraaaaaa! Repete!’

‘Olha, assim já ficas feia, a esconder a cara! Ai que cara tão feia!...

 

Claro que eu não quero ser feia. É que se for feia, nem sequer posso ser gaja, nem ganho coisas giras de gaja. Então digo:

 

‘Giraaaaa!’

‘Ora, vês, como tu já sabes’!

Claro que sei, podem não me chamar de Lolita, mas sou uma gaja gira, que com ser feia é que não levo nada.

 

 

 

Esta crónica teve um tempo real de exposição de 40 minutos, sob luz interior matinal, no café da Sara e do Fernando. Estiveram presentes:

 

Os pais da criança

A criança do sexo feminino

Outra criança do sexo feminino

O casal proprietário do café, mulher e homem

Três consumidores, que não quiseram declarar o número de contribuinte na fatura.

Eu, que observei,

e que também me recusei a dar o meu número de contribuinte. Não é por nada, mas é que acho um bocado pornográfico que o Estado me veja a beber os meus cafés na intimidade com os meus amigos. O Estado é o Humbert Humbert da Lolita, só que sem moral nenhuma e sem ir preso. Mas isto foi só um aparte, que nem deveria aparecer aqui na ficha técnica. Mas, já agora, outro aparte: realizei esta crónica sob efeito de consumo de uma droga estimulante que, porém, tirando essa coisa de ter de declarar que a consumi, é paga e tem taxa de iva incluída.

publicado às 13:11

QUEM É QUE ESTRAGA A FESTA, AFINAL?

por LA DIVA, em 19.08.14

‘Estragar tudo? Quem, eu?’

 

A Camila está furiosa.

 

‘Pois fica sabendo que EU fiz um favor à Raquel ao arranjar-lhe aquela entrevista. E, se queres saber, a Pilar é uma jornalista decente. Ficou muito sensibilizada com a situação da Raquel e, assim, com a entrevista...’

 

‘Camila, espera lá! Estás a confundir tudo! A Raquel não precisa que tenham pena dela. Ela está a fazer a casa na árvore porque é maluca e dá-se bem com isso.’

 

Agora era eu que estava furiosa.

 

‘E, mais:

O que vais conseguir é que toda a gente vá aparecer para espreitar o insólito e não vá parar de assediar a rapariga. Não vão sair de debaixo da árvore à espera que a macaca caia por ali abaixo. Passou-te pela cabeça que tenhas feito precisamente aquilo que temias, que ela se metesse em sarilhos com a polícia?’

 

Então, a Camila virou o jogo:

 

‘E a ti, o que é que te passou pela cabeça para ensinares a Carlota a portar-se como uma Lolita? E onde é que ela arranjou aquele livro? Exijo uma explicação. Estás a vingar-te de mim usando a Carlota, que não passa de uma criança.’

 

Começou a chorar.

Ouvia os soluços dela dentro do meu telemóvel.

Mas foi por pouco tempo. Estava a pensar que se calhar tinha sido demasiado severa, quando ela volta à metralha:

 

‘Pois fica a saber, não vai haver festa nenhuma. E a Carlota fica de castigo até ao final das férias! Nem te dês ao trabalho de lhes ensinares os teus truques patetas de maquilhagem de diva!’

 

Sério, aquela gaja sabia magoar.

 

‘Mas por que estás a castigar a miúda dessa maneira? Era assim que a Maria reagiria perante uma brincadeira de crianças?!’

 

‘Brincadeira de crianças?! Tu sabes o que é que eu apanhei a Carlota a fazer um dia destes no quarto?’

 

‘Deixa ver, se calhar a mesma coisa que tu e eu descobrimos quando tínhamos a idade dela, não? Deixa de ser hipócrita, Camila! E não me admirava nada que ela tivesse lido alguma das tuas crónicas execráveis, aquelas onde te dás ao trabalho de escrever uma listinha de preceitos a explicar como se faz o clítoris falar. Mas para quem é que tu escreves, realmente, Camila? Para as beatas? Olha que essas, com o amor que têm ao Senhor.... Camila, em vez de te armares em sonsa, em vez de te esconderes atrás de uma Maria que não pesca nada, faz um favor a ti própria e conversa com a tua filha.

 

E desliguei-lhe o telemóvel na cara.

 

Arre!

 

publicado às 18:56

A FESTA DAS LOLITAS

por LA DIVA, em 19.08.14

A primeira vez é um mito.

Como todo o mito, só interessa porque é mito, de resto, é o nada que é tudo, como escreveu o  Fernando.

 

Então porquê tanta preocupação com a primeira vez?

Vá-se lá saber. Ele há cada uma!

 

Lolita começa assim:

 

1º parágrafo:

Lolita, luz da minha vida, fogo da minha virilidade. Meu pecado, minha alma. Lo-li-ta: a ponta da língua faz uma viagem de três passos pelo céu da boca abaixo e, no terceiro, bate nos dentes. Lo. Li. Ta.

 

Querem mais? Leiam:

 

2ª parágrafo

Pela manhã, um metro e trinta e dois a espichar dos soquetes; era Lo, apenas Lo. De calças práticas, era Lola. Na escola, era Dolly. Era Dolores na linha pontilhada onde assinava o nome. Mas nos meus braços era sempre Lolita.

 

Ontem, se estivéssemos em 1958, era o dia em que Lolita foi publicado pela primeira vez em língua inglesa. Um escândalo que, em poucas semanas, vendeu 100.00.

 

 

 

E eu só soube dessa data porque a Carlota me disse.

 

A Carlota tem a idade da Lolita quando o Humbert Humbert a conheceu.

A Carlota tem 12 anos e leu Lolita aos 11.

 

E, depois, fez-me um pedido adorável:

 

Diva, no fim de semana vou dar uma festa de Lolitas. Ajudas-me a maquilhar como uma diva dos 1950s?

 

Que me assustou de morte.

 

Uma festa de ... lolitas? A tua mãe sabe? Já tens idade... ? O que é que vão fazer na festa? Quem é que vai?

 

Foi então que ela me disse que a festa de Lolitas não era uma sessão de leitura entre menin@s, era só o pretexto para uma festa colorida, tipo rainbow, ‘tás a ver, Diva?

 

A Carlota pode já ter lido Lolita aos 11 anos, mas ainda é uma miúda que precisa que a ensinem a maquilhar.

 

A Carlota pode precisar que eu lhe ensine alguns truques de maquilhagem de diva, mas é uma miúda muito perspicaz.

 

Diva, dahhhh!... Rainbow, ‘tás a ver? Rainbow, pulseiras de plástico. Pulseiras de plástico, negócio.

 

Depois, disse:

Diva, não te preocupes, se algum dos namorados da minha mãe tentasse tocar-me, assentava-lhe logo com os pés nos tomates. E a seguir furava-lhe os olhos com um lápis afiado.

 

Talvez eu nunca chegue a saber qual a importância que a primeira vez da leitura de Lolita teve, ou terá, nesta ninfeta.  

 

Mas sei como afetou a mãe dela saber que a sua ninfeta já tinha lido Lolita e estava pronta para uma festa de Lolitas.

 

Ficou histérica.

 

A mãe da Carlota é a Camila.

 

A Camila pode bem continuar histérica até amanhã. É para aprender a enfrentar a realidade e não andar a esconder-se atrás da Maria. Pode ser que lhe passe e fique, então, em condições de falar comigo. Se não quiser, vá consolar-se nos braços da outra, a Pesca (quase)Tudo. E, enquanto preparo a lição de maquilhagem para a Carlota, que até vem a calhar porque eu já tinha há dois dias prometido explicar como se faz um pancake de diva, podem espreitar este filme aqui, a Lolita do Stanley Kubrick & (re)ler o livro depois. Em alternativa, se não estão para essas coisas, podem ir fazer pulseiras de plástico. Está na moda e as garotas é que sabem. Se não tiverem habilidade para o crochet, há montes de sites na net. É só procurar ‘rainbow loom’ e voilá.

 

Ou, então, vão para a cama, que faz bem à beleza, sobretudo, das garotas.

 

A Lolita de Stanley Kubrick:

 

 

 

http://youtu.be/B0qcNmnr2KE

publicado às 10:04

Hola, ¿cómo va la perra de tu vida?

por LA DIVA, em 18.08.14

Um simples Hola!...

 

... e a Camila fez asneira. Ainda não sabe, mas é só uma questão de dias.

Ou de horas.

 

Deveria ter-se limitado a passear na baixa da cidade, a ver o vai e vem das raparigas que aparecem do lado de dentro das montras a baixar os saldos.

 

E não dar conversa a turistas, sobretudo se o castelhano soar um bocado tuga.

Normalmente, os espanhóis não nos ligam nenhuma. Até mesmo na Semana Santa é difícil que nos brindem com um genuíno e tuguérrimo ‘obrigada!’.

 

Dizem-nos ‘gracias’ e nós sentimo-nos logo manas. Que parvas que somos.

 

Então, apareceu aquela Pilar, que afinal era jornalista e queria saber como ia la puta de nuestra vida.

 

Como quem não quer a coisa, e espanhola começou por abordar a Camila perguntando-lhe se ela andava a fazer compras ou só a ver montras.

 

Claro que queria era saber se a Camila tinha dinheiro, calculando logo que não tinha. E assim, mal abriu a boca, e sem sequer disso suspeitar, a Camila passou a representar as portuguesas do país inteiro na imprensa madrilena.

 

Como a Camila, todas nós, tuguinhas, chafordamos na penúria, sem buraco onde cair mortas.

 

Mas, mesmo meio-mortas, que somos mesmo difíceis de esticar, ainda narigamos contra as transparências luzentes das montras, a saliva ping-ping pela calçada abaixo, à vista de um par de manolos ou de onofrinos, tanto faz.

 

Pois aquilo que a Pilar queria realmente saber era se tínhamos pés para enfiar dentro dos manolitos do país dela.

 

E a parva da Camila, em vez de dizer que não precisávamos dos manolitos para nada, porque desenhávamos e produzíamos as nossas próprias alpercatas, que até a rainha Letícia preferia, até mesmo a Michelle Obama, nãããããõoooo, foi dizer que, de facto, viver na capital estava a tornar-se insustentável, tanto que até tinha amigas que tinham perdido a casa e ficado sem um teto de abrigo.

 

Ah, si, Madrid es igual. Los jóvenes también han perdido sus hogares y había comprado con préstamos bancarios. Es terrible.

 

Claaaaro que a Pilar quis logo saber se a Camila poderia falar-lhe dessas amigas, assim como assim, as tugas nem têm manolos nem casitas, coitadas, quem quer hermanas destas?

 

E claaaaro que a tonta da Camila foi logo falar na Raquel.

Inclusive, foi mostrar a casa que a Raquel anda a construir na árvore.

 

E agora esperemos para ver o que acontece, mas não será nada de bom, tenho a certeza.

 

E, para terminar, vejam lá. Para que precisamos nós destes manolitos aqui, se temos os nossos, e bem mais bonitos? Ok, são bonitinhos, mas andam mais por aí...

 

publicado às 16:21

Pág. 1/3



Mais sobre mim

foto do autor


Pesquisar

  Pesquisar no Blog

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.


Arquivo

  1. 2014
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D